sexta-feira, 25 de julho de 2008

Carta Política - Articulação Siderúrgia

Aço, ferro, carvão e monoculturas:
progresso para quê e para quem?

Declaração das entidades reunidas no Rio de Janeiro, em junho de 2008, na oficina da Articulação Siderurgia, vinculada a Rede Brasileira de Justiça Ambiental


Nos últimos anos, vêm crescendo, no Brasil, as denúncias contra os perversos efeitos sociais, ambientais e à saúde pública provocados pela expansão da cadeia de produção do ferro e do aço no país. As denúncias partem de comunidades afetadas/desterritorializadas por esses projetos, de ambientalistas, de cientistas, dentre outros, inseridos em processos de resistência e preocupados com o futuro das regiões onde vivem e atuam. O que está em jogo não é somente o futuro dos ecossistemas, mas também a manutenção das economias locais, de origem familiar e base extrativista, a saúde das populações, suas culturas, modos de vida e os legados que serão passados às próximas gerações num momento em que a crise ambiental, energética e social se intensifica no planeta.

A Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA)[1], ao articular setores da sociedade brasileira que questionam o modelo de desenvolvimento adotado no país, tem sido um espaço coletivo privilegiado destes debates. Por isso, decidiu organizar a “Oficina Articulação Siderurgia”[2] reunindo entidades, movimentos sociais, representantes de populações afetadas e pesquisadores engajados na discussão das causas e dos efeitos negativos da expansão da produção siderúrgica no país, na construção de estratégias de enfrentamento e de resistência popular frente com vistas a proposição de alternativas.

O atual modelo agro-minero-hidro-exportador adotado no país, cada vez mais, produz situações de injustiças ambientais e riscos à saúde humana ao explorar de forma intensiva recursos naturais para a produção de bens para o mercado global. Concentra renda e poder, provoca a degradação do meio ambiente, migração desordenada durante o processo de construção dos empreendimentos, a exploração do trabalho humano e deixa suas marcas de destruição predominantemente em espaços coletivos onde vivem e trabalham populações discriminadas e com restrições econômicas, como as mulheres, as comunidades tradicionais, de agricultores familiares, de populações ribeirinhas, de operários e suas famílias nas periferias urbanas, de moradores do entorno dos empreendimentos e suas infra-estruturas, dentre outros. Se por um lado, há a constatação de que uma grande parcela desses impactos está localizada nos setores mais vulneráveis da população, por outro, o acesso aos recursos naturais também é desigual e inviabilizado a esses grupos, o que tende a acirrar ainda mais as injustiças sociais.

Para manter esse modelo, enormes terras são desmatadas no Cerrado, nas florestas, no Semi-árido, nos manguezais, no Pantanal, na Mata-Atlântica, para a expansão das monoculturas. É o caso da soja, exportada pra virar ração animal ou para produção nacional de agrocombustíveis. Da cana-de-açúcar para produção de combustíveis, que poderá vir a ocupar terras com vocação agrícola, afetando a segurança alimentar, sobretudo a dos mais pobres. Do eucalipto, que é transformado em celulose para virar produtos de papel, ou transformado em carvão vegetal (cujo processo explora o trabalho infantil e escraviza trabalhadores) para a produção de minério de ferro e de aços semi-acabados, que também são exportados por baixos preços para entrar na cadeia produtiva das indústrias dos países mais ricos que, por sua vez, geram produtos de maior valor agregado, numa flagrante transferência da poluição ambiental para os países periféricos.

Os preços “competitivos” das mercadorias brasileiras – como é o caso do ferro e do aço exportado – não expressam na sua contabilidade o vasto rastro de destruição de pessoas, povos, culturas economias regionais e ecossistemas, pois se assim fizessem ficaria evidenciado que o atual modelo de produção é economicamente inviável. Ou seja, em nome do “progresso” permite-se que sejam feitas aqui as fases mais sujas da cadeia produtiva - degradando nossos solos, consumindo e contaminando nossa água e ar, comprometendo nossa biodiversidade, a saúde, a qualidade de vida e a cultura de nossos povos – para produzir commodities, que possuem menor valor e maior volatilidade no mercado internacional. Uma divisão internacional do trabalho, da produção, dos riscos e dos benefícios, absolutamente favorável às grandes corporações e às oligarquias econômicas e políticas locais que se associam a elas no Brasil, mas trazendo o quê para os trabalhadores e a população?

É notório que, em contraste com a cadeia produtiva da siderurgia instalada a partir dos anos 1940, localizada na região sudeste do país e produzindo para o mercado interno, o segundo ciclo desta cadeia situa-se principalmente na zona costeira, em torno de portos, mostrando sua vocação: exportar chapas planas para abastecer a mercado dos países mais ricos. Em cada chapa, vai um pouco da beleza, da diversidade e da saúde de nossos ecossistemas, dos trabalhadores, e da cultura das comunidades que vivem nos muitos territórios afetados por estes empreendimentos: as áreas desmatadas/cultivadas para o carvão, as minerações de ferro ou de carvão, suas rodovias, ferrovias e minerodutos; as pesadas usinas de ferro-gusa, as siderúrgicas e suas aciarias; as termelétricas a carvão associadas as plantas siderúrgicas; os portos...

E são muitas as populações afetadas, atingidas de diferentes formas em todas as etapas do processo produtivo que envolve desde a mineração, à produção de carvão vegetal até os impactos e riscos químicos a que são submetidos os trabalhadores, expostos ao benzeno, e as populações próximas às plantas produtivas: a pesca que diminui, as crianças que adoecem com a poeira e os gases, as famílias que migram, os acidentes e as doenças do trabalho, a água que escasseia, a paisagem que muda, a cultura que é ameaçada, a economia local de origem extrativista que é desorganizada, a violência que chega. Agregado a isso, está o fornecimento de mercadoria estratégica, ou seja, aço bruto ou acabado para mercados sem o compromisso com a geração e manutenção da vida.

Em todas as fases da cadeia produtiva, há o comprometimento da manutenção da biodiversidade, a naturalização da desterritorialização de populações em nome do progresso e de falsas promessas de empregos, que, em sua maioria, são funções de baixa qualificação utilizadas para as montagens dos pólos industriais e que grande parte deste continente de trabalhadores vão formar os bolsões de misérias no entorno destes empreendimentos industriais, e na sua operação criam poucas vagas, ocupações precárias e de baixa remuneração. São também constantes as ações de criminalização aos movimentos, que lutam pelos direitos dessas populações, cujos modos de vida não têm sido respaldado nos processos de licenciamento dessas atividades.

Apesar de todos os riscos e ameaças, os processos de licenciamento ambiental são realizados rapidamente, movidos a pressões econômicas, com uma infra-estrutura bastante frágil dos órgãos licenciadores e audiências públicas problemáticas e pouco participativas. Para governos de todos os níveis, tais investimentos, que muitas vezes recebem subsídios e financiamentos de órgãos governamentais como o BNDES, são vistos hegemonicamente como atrativos para o “progresso”, sem que as avaliações estratégicas levem em consideração os riscos ambientais e ocupacionais criados, os direitos das populações afetadas e os efeitos sociais e ambientais de médio e longo prazo para a região. Sequer é exigida isonomia tecnológica das transnacionais que, nos países periféricos, adotam um duplo padrão ao utilizarem tecnologias sujas e/ou obsoletas, diferente daquelas empregadas na Europa e EUA, por exigência das leis ambientais e pressão da sociedade. Tampouco tem sido considerada a necessidade do ajuizamento de ações judiciais em todos os locais onde estão instalados os grandes empreendimentos poluidores para aplicação do princípio poluidor-pagador por danos ambientais não esperados, muitas vezes não reparáveis.

Estamos descobrindo, a duras penas, que já não podemos mais fechar os olhos para estes problemas: precisamos nos des-envolver deste tipo de desenvolvimento. Movimentos e organizações da sociedade civil, técnicos e servidores públicos, professores e pesquisadores, profissionais da comunicação, promotores públicos, todos estamos conclamados a compreender a gravidade deste problema, e transformar a indignação pelo que estão fazendo com nossa terra e nosso povo em ação transformadora desta “ordem e progresso”: vamos dizer NÃO ÀS INDÚSTRIAS SUJAS DO CARVÃO, DO FERRO E DO AÇO e fazer dos recursos públicos investidos neste ciclo perverso a base para expandir a economia solidária, a agricultura familiar e camponesa, cuidar da alimentação, da moradia, da saúde, da educação e da cultura dos cidadãos e cidadãs do campo e da cidade, e fazer florescer a vida!

Progresso sim, mas que seja humano para todos, e não a qualquer preço!

Assinam:

Ana Echevenguá - Ambiental Acqua Bios (Florianópolis/SC)
André Luiz do Espírito Santo - FAPESCA - Fed. Aquicultores e Pescadores/ RJ
Antonio Claret Fernandes - MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens (MG)
Bruno Milanez - FIOCRUZ (Rio/RJ)
Carlos Henrique Schmidt - IESA - Instituto de Estudos Sócio Ambientais (Macapá/AP)
Carlos Osório - Bicuda Ecológica/ GT Químicos
Cecília Campello do Amaral Mello - Rede MangueMar
Dina Oliveira-Bry - Associação Aritaguá par ao desenvolvimento rural sustentável (Ilhéus/BA)
Editon Dias - ACQUILERJ (Ass. Comunidades Trad. Remanescentes de Quilombos - Paraty/RJ
Edmilson Carlos Pereira de Abreu Pinheiro - Fórum Carajás (São Luís/Maranhão)
Eliane Ramos - Fundação BOLL (Rio/RJ)
Érica Almeida - Rede MangueMar (Salvador/BA)
Gilmar Rodrigues - CPP-BA – Conselho Pastoral dos Pescadores/ Regional Bahia
Ivo Siqueira Soares - AAPPG - Assoc. Aquicultores e pescadores da Pedra de Guaratiba
Jean Pierre Leroy - FASE (Rio/RJ)
Jeffer Castelo Branco - ACPO - Associação de Combate aos Poluentes (Santos/SP)
Julianna Malerba - Secretaria RBJA/FASE (Rio/RJ)
Lucia Ortiz - Amigos da Terra (Porto Alegre/RS)
Luiz Carlos - Apescari (Rio/RJ)
Mabel Melo - FASE (Rio/RJ)
Magali Jordão - Comissão Revitalização de Sepetiba (Rio/RJ)
Marcelo Firpo - FIOCRUZ (RJ)
Marcia Casturino - Secretaria RBJA/FASE (Rio/RJ)
Marcio Antonio Mariano da Silva - ACPO - Associação de Combate aos Poluentes (Santos/SP)
Marcos Garcia - Comissão Revitalização de Sepetiba (Rio/RJ)
Maria Augusta Ferreira Miguel - ONG Rio Mulher Ambiental/RJ
Maria Helena Rauta Ramos - EMESCAN e GAMA/ES
Melisanda Trentin - FASE - DESC/Juventude/RJ
Patrícia Zerlotti - Ecoa Rios Vivos (Campo Grande/MS)
Raquel Rigotto - Núcleo Tramas/ Terramar (Fortaleza/Ceará)
Reinaldo Damasceno ARDVT - Associação em Defesa dos Reclamantes e Vitimados por
Doença do Trabalho na Cadeia Produtiva do Alumínio (Barcarena/PA)
Sandra Quintela - PACS (Rio/RJ)
Sérgio Ricardo - Comissão Revitalização de Sepetiba (Rio/RJ)
Zuleica Nycs - APROMAC (Curitiba/PR)

Mapa com a localização dos empreendimentos e os grupos empresariais vinculados à produção de ferro e aço no Brasil


Antigas siderúrgicas
· Aço Villares – Pindamonhangaba (SP) e Mogi das Cruzes (SP)
· ArcelorMittal – Vitória (ES), São Francisco do Sul (SC), Cariacica (ES), São Paulo (SP), Piracicaba (SP), Sabará (MG), Itaúna (MG), Monlevade (MG), Juiz de Fora (MG)
· CSN – Volta Redonda (RJ)
· Gerdau – Sapucaia do Sul (RS), Charqueadas (RS), Araucária (PR), Araçariguama (SP), Rio de Janeiro (RJ), Ouro Branco (MG), Divinópolis (MG), Barão de Cocais (MG), Simões Filho (BA), Recife (PE), Maracanaú (CE)
· Usiminas – Cubatão (SP), Ipatinga (MG)
· V&M – Belo Horizonte (MG)
· Votorantim – Barra Mansa (RJ)
· CVRD – Companhia Ferro Ligas – Corumbá (MS)
· Sideruna - Campo Grande (MS)
· Vetorial - Ribas do Rio Pardo (MS)
· Cia. Siderúrgica do Maranhão- Cosima (MA);
· Gusa Carajás-Santa Inês (MA)
· Maranhão Gusa- Margusa- Bacabeira (MA)
· Usina de Pelotização- São Luís(MA)
· Gusa Nordeste, Cia. Siderúrgica Vale do Pindaré , Siderúrgica do Maranhão- Simasa, Viena Siderúrgica do Maranhão,Ferro Gusa do Maranhão- Fergumar- Açailândia (MA)
· Cosipar, Simara, Usimar e Ibérica (região de Marabá-PA)

Novos Projetos
· Companhia Siderúrgica do Atlântico – Rio de Janeiro (RJ)
· Companhia Siderúrgica do Pecém – São Gonçalo do Amarante
· Companhia Siderúrgica Nacional – Ipojuca (PE)
· Companhia Siderúrgica Vitória – Anchieta (ES)
· MMX – Corumbá (MS), Santana (AP)
· Votorantim – Resende (RJ)
· Vale – Marabá (PA)
· WMD Siderúrgica Aquidauana (MS)
· MMX Metálicos Corumbá (MS)
· Aurizona Mineração –Bacabeira(MA)

[1]Para maiores esclarecimemtos sobre a RBJA e a justiça ambiental, acessar o portal www.justicaambiental.org.br
[2] Diante das inúmeras recorrências de injustiças ambientais ligadas às atividades de siderurgia no país, a RBJA, a partir de dezembro de 2007, constitui um grupo de discussão chamado “Articulação-Siderurgia”. Dessa articulação, organizou-se uma oficina presencial do grupo “Articulação-Siderurgia”, realizada nos dias 25 e 26/06/08, na FASE/RJ, que reuniu representantes de diversos estados afetados pela expansão do pólo siderúrgico no país para uma profunda discussão acerca dos efeitos dessa expansão e para definição de estratégias coletivas de enfrentamento.